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A Volta dos Ciganos – E o efeito das Reencarnações

10 - A Volta dos Ciganos-pSurgiam os primeiros raios de sol, prometendo assim uma primavera festiva naquele pequeno povoado, província do Conde Rafael, jovem viúvo e herdeiro que gozava de todos os requintes da corte russa. Tudo prometia àquele belo dia de sol, todos queriam ser acariciados por ele. Foi então que despertou-me também aquela alegria. Oh meu Deus! Começo a lembrar-me como se fosse hoje; lembro-me, lembro-me sim!

Estava ali naquela pequena praça uma linda cigana, que cantava dançando em sua graça ricamente vestida. Que quadro original pensei. Chegando-me mais para perto, pude melhor observar. Alguém então conhecendo foi me explicando: é um magnífico casal de zíngaros, aquele menino é também um pequeno zíngaro, filho deles – percebi logo, e não sei porque cada vez mais chegava-me para perto daquele suntuoso quadro. E ali embevecida não reparei que já estava bem tarde para melhor atender as exigências de meu patrão, o Conde Rafael, pois eu era governanta do Castelo.

Senti que estava atrasada e segui para casa sem perca de tempo. Já estava eu nos meus afazeres domésticos, quando entra desesperado meu adorado patrão, trazendo em seu semblante um quadro de dor. Fui-lhe ao encontro… – que te passas meu filho? (disse eu com a familiaridade que tínhamos) diga, diga o que te passas meu bom menino! Oh minha boa Antera… (continuou ele) sempre foste compreensiva e sincera, diga-me o que devo fazer agora após minha triste atitude…

– Meu filho, que fizeste?

– Sim, foi horrível! Encontrei-me com uma bela cigana e a induzi a seguir-me.

– Oh meu Deus, como pude ser tão cruel, arranquei-a de Augusto, seu esposo e mandei que a trouxessem para aqui com o seu pequeno rebento. Oh minha querida Antera, se pudesse remediar o mal que cometi. Sim, sim, deve haver uma força especial para fazer-me cometer tão ignóbil ato, diga, diga alguma coisa, minha bondosa Antera.

Fiquei parada ali sem nada o que dizer, enquanto pensava mil coisas. Ora veja só, como pode meu Deus! Aquela linda cigana viver agora entre nós, e qual seria o fim de tudo aquilo? Vamos, vamos aonde está essa cigana, disse-lhe por fim.

É verdade, estava ali a cigana e seu filhinho de uns três anos mais ou menos.

– Seja bem vinda a esta casa, linda cigana (disse eu) – Sou a Governanta deste Castelo, para servir-lhe no que desejar.

– Oh (disse ela com graça), como sois boa, senhora… porém, sou uma pobre cigana que pretende servir e não ser servida.

– Verdade? Serviremos mutuamente (disse para arrematar).

Foi então que a criança começou a chorar. – Deve estar com fome (retruquei), e saí para preparar qualquer coisa para ele. Chama-se Yatan (disse a mãe), e desde já entrego-lhe boa senhora, eduque-o nos seus costumes.

Misericórdia, quase gritei de medo, pois as características do pequeno cigano, nada ofereciam de bom.

Passaram-se dias após a chegada desta cigana no Castelo. Foram celebradas as bodas do Conde Rafael e a linda Andaluza, era seu verdadeiro nome.

Tudo já voltava ao seu ritmo normal. A bondade e humildade daquela cigana deslumbrava a todos que a conheciam. Parecia verdadeiramente feliz o lindo casal.

Certa vez voltando de um dos meus giros costumeiros com o pequeno Yatan, deparei-me com Andaluza em frente ao quadro da minha falecida patroa. A princípio, pensei que ela estivesse admirando aquele quadro de tão rico valor, porém com o tempo, observei que chorava. A sala era ampla e de onde estávamos podíamos ali permanecer sem sermos vistos.

O menino olhou para mim e disse: – Antera não faças ruído que assuste minha mamãe, ela lastima-se do lobo que comeu o meu papai… Ah! Sabe, Antera, quando eu crescer e for um homem, matarei todos os lobos até encontrar meu papai. Andaluza virou-se para nós com os olhos rasos d’água e um ligeiro sorriso de amargor. Era verdadeiramente linda, seus cabelos em mechas douradas destacavam em seu rosto oval um par de olhos verdes, caprichosamente rasgados; seus lábios entreabertos exibiam um verdadeiro colar de pérolas de mais rico valor.

Sim, ela havia escutado todo aquele diálogo de seu filho comigo, pois veio ao encontro e pegou-o no colo dizendo: – Pobre filhinho…

– Venha minha querida, venha, quero que saiba tudo que aconteceu comigo e os meus. E arrastando-me para um pequeno sofá perto da lareira, deixou cair seu esbelto corpo e com a linda cabeça dourada no meu colo cerrou os olhos e começou a contar: – Querida Antera… Era uma vez uma infeliz tribo de ciganos, que tinha como Rei um jovem zíngaro por nome Augusto (disse ela fazendo uma pausa e continuando com os olhos semicerrados, como se estivesse sentindo aquela presença do Conde Rafael, que havia entrado e ali tomando o seu lugar em uma cadeira à nossa frente, não contando com o menino presente e bem consciente, esquecíamos dele).

– Sim minha filha, continue… Sei que nos faz bem este terrível segredo de tua formação. Desabafas, e me guias melhor, disse eu, continue minha bela.

– Sim… Augusto chamava-se ele, o nosso Rei! Lembro-me então, tinha eu quatorze anos quando uma velha Profetisa disse à minha mãe que eu haveria de me casar com um Rei de nossa tribo, porque do contrário não seria feliz. Guardei comigo aquela doce revelação. Certo dia quis o destino envolver-me em suas galhofas.

Quando morreu o nosso velho Rei, deixando dois filhos gêmeos na disputa de seu trono, eram Braz e Augusto, um dos dois teria que ser o nosso Rei e um dos dois havia de desposar-me. Houve então a grande disputa, Braz ganhara com todas as pompas; que feliz seria quando esposa de Braz. Oh! Meu Deus, em meu pequeno coração já palpitava o amor de Braz.

No entanto todos ali temiam que Augusto não aceitasse sua derrota, porém eu em minha criancice, não pensava senão no meu amor ao Braz, até que o mau dia chegou. Era bem tarde da noite… Começavam os primeiros sinais do outono, quando uma forte discussão se ouviu lá fora.

Saí de minha barraca a ver o que se passava. Lá estavam Braz e Augusto. Augusto partiria com alguns ciganos ambulantes e deixava Braz com o seu povo. Assim pensei: está tudo resolvido! E qual não foi o meu desgosto ao despertar-me no outro dia a ver-me nas garras de Augusto. Sim, Augusto havia me roubado altas horas da noite sem que eu houvesse despertado. Destino. Oh! Cruel destino… Continuava a bela cigana.

E sem que eu me refizesse daquele susto, foram celebradas as bodas nupciais minhas e de Augusto, tudo estava terminado para mim. Até que certo dia Augusto decidiu chegar até aqui. Era mesmo impossível aquele homem. E por isto de nada valeram os nossos conselhos e nem tão pouco as profecias dos Sábios Profetas. E, portanto tivemos que fazer este triste trajeto em respeito ao nosso caprichoso Rei.

Ah, foi horrível… quando já estávamos no meio do caminho começava a nevar. De um dia para outro estávamos no mais terrível oceano de gelo. Como fazer? Os nossos aquecedores ficaram imprestáveis e a caça muito perigosa. Prefiro não descrever os dias de tortura que passamos aprisionados em nossas barracas. Augusto escondia o alimento e nos dava ração.

Bastante tempo demorou aquela tortura. Foi até que uma noite fomos surpreendidos por uma forte tormenta. Não tivemos tempo para pensar; o vento soprava arrancando as barracas dos lugares num desastre de dor. Oh! Santo Deus! Sem que pudesse nos refazer ou procurar atender aos feridos, famintos animais investiram contra nós. Foi uma verdadeira luta da vida contra a morte…

Oh! Virgem Santa! Detrás de uma barrica que havia rolado, fui testemunha ocular daquele triste cenário. Sim, triste, muito triste. As feras lançando-se contra aqueles desafortunados ciganos, não nos dando tempo para qualquer defesa sequer.

Eram lobos, lobos! Eu os vi! E após todo aquele terror que eu havia registrado. Oh! Meu Deus! Até agora parece-me ouvir os uivos daqueles animais que fugiram levando suas vítimas na imensidão daquela trágica noite. É verdade, estava eu ali, não havia sonhado.

Corri os olhos ao redor, vi que tudo havia sido destruído e que apenas restavam eu e Augusto. Tudo, tudo acabado. Dizia a cigana, como se estivesse vivendo outra vez aquele drama tão triste e até então desconhecido para mim e ao Conde Rafael, e sem que pudéssemos impedi-la, continuou:

– Ah, foi horrível!… E muito rápido, sentia agora uma forte dor na cabeça, quando um grito rouco de alguém que me chamava: Andaluza, Andaluza… em seguida quis responder, mas a voz não me saía, estava petrificada; o único sinal de vida era aquela terrível dor de cabeça e ali talvez tenha adormecido. Acordei com os gritos de Augusto novamente, já não me chamava, mais parecia um louco; corri para perto dele quando tropecei em alguma coisa, abaixei-me para ver, oh! Meu Deus, eram os restos de Calaça, minha querida protetora. Quantas vezes as chibatadas que Augusto me lançava ela as enfrentava por amor a mim… Estava eu ali, com o meu triste destino, tudo, tudo infelizmente era verdadeiro!

Não sei por quanto tempo passamos abraçados eu e Augusto, com medo de olharmos ao redor. Após algum tempo ele balbuciou: Luza, querida, que nos resta fazer?

Esperarmos a nossa vez! Respondi pressentindo novas desgraças.

Passamos desgraçadamente dois dias, dentro do carroção que havia ficado de pé. Augusto desesperado pagava um preço exorbitante de sua perversidade. Nada nos restava senão esperar a triste morte. Odiava Augusto com toda a força do meu coração.

Já não podia suportar aquela terrível espera, resolvi então matar Augusto e a mim, depois de livre o meu Espírito, correr, correr até encontrar a minha querida Calaça. Sim, apalpei o punhal que trazia no seio, Augusto dormia com pesadelos, gemendo e virando-se de vez em quando de um lado para o outro. Será agora, pensei… Empunhando com toda força o meu pequeno punhal. Augusto estava agora calmo, sua camisa desabotoada exibia no seu peito forte o medalhão; emblema da saudosa tribo dos Katshimoshy; comecei a fitá-lo, como se os meus olhos estivessem pregados sobre aquela jóia tradicional dos Katshimoshy, o que estava acontecendo e o que aconteceria quando soubessem do triste final de Augusto e o seu povo? – Meu Deus, não ficara ninguém que possa contar esta triste história, porque eu matarei Augusto, matar-me-ei logo depois e correrei em busca de minha querida Calaça…

Augusto parecia que desafiava-me respirando profundamente. Levantei o braço decidida a sangra-lo quando ouvi uma voz familiar: – Luza, minha filha, pelo amor de Deus, como o desespero a fez cruel!… Não tens respeito às relíquias dos profetas Katshimoshy? Não temes os seus encantos? Olha minha filha, bem perto daqui habitam pequenos seres selvagens, que bem poderão ser dominados. Tu és loira e bonita, e eu te preparei com os encantos dos Katshimoshy, Augusto não precisa, pois já os tem (olhei em seu peito reluzia o encantado emblema). Disse afinal: Oh, quem dera não estar delirando!… Calaça continuou: Não estás delirando, aqui estou em Espírito e Verdade. Não crês nas manifestações dos Espíritos? Nas revelações dos Profetas? Pois bem, eu te darei uma prova. Desapareceu após dizer isto. E eu como se estivesse sonhando, despertei.

Porém, sem o mínimo desejo de matar aquele que seria em breve o pai de meu filho.

Debrucei sobre o seu peito e chorei por longo tempo.

Augusto sem nada desconfiar acordou e começou a acariciar-me. Comecei a perceber, então eram os fenômenos de Calaça, que haviam me transformado daquela maneira. Augusto me apertava contra o peito cada vez mais e eu pela primeira vez admiti sem nenhuma recusa íntima.

Calaça sempre boa a mostrar-nos bons caminhos, apesar de desencarnada, estava ali, ajudando-nos a enfrentar tão terrível destino. Grande culpa a de Augusto.

Depois deste meu encontro com Calaça, senti uma grande vontade de viver.

Certo dia, Augusto decidiu sair por aqueles arredores, deixando-me só na barraca. Ocupei-me dos meus poucos afazeres, quando gritos estranhos me sobressaltaram, e vi pequenos homens selvagens que se arremessavam contra a porta de minha infeliz “casa”, senti neste instante uma força suprema percorrer todo o meu corpo, como se nada temesse daqueles pequenos seres, abri a porta e na soleira esperei, desafiando aquela pequena tribo.

Na proporção que eles vinham chegando eu pensei mil coisas, pensava em Calaça, pensava também que já era a minha feliz hora; feliz sim, porque eu a esperava como libertação do meu Espírito. Olhei ao longe e vi Augusto que talvez atraído pelos gritos vinha correndo em nossa direção. Mas, os pequenos homens estancaram à minha frente e um deles ordenou que me pegassem e puxaram-me à frente do pequeno grupo.

Não reagi, nem tampouco manifestou-me desejos de lavar algum objeto de minha barraca, ao contrário, desejava esquecer tudo, esquecer o meu passado, mesmo que o meu infeliz destino naquele instante estivesse a gargalhar de mim.

Os pequenos homens continuavam com os seus gritos, porém, não me assustavam, não me davam o menor medo sequer e eu olhava Augusto que corria. A sensação de que ele não nos alcançava dava-me mais paz. Os homens caminhavam quase correndo. Quando já havíamos percorrido um enorme trecho fomos tomados por uma terrível tormenta; o vento nos fazia medo. Desabamentos, vales, tudo queria impedir o nosso caminho, porém os pequenos homens faziam-me ver que eram peritos naquelas zonas tempestuosas. Fui então cansando-me da viagem; a minha cabeça rodava, parei e logo em seguida senti que alguém me carregava. Quando acordei estava recostada numa pequena cama que mal me cabia e muitas mulheres ao meu redor, umas pegavam nos meus cabelos, outras mediam suas mãos com as minhas. Pensei então: devem estar achando-me muito grande; observei que elas ou eles só eram amáveis comigo quando eu sorria.

Ofereciam-me peixe, pois era sua comida mais fácil. Era também visitada por todos da aldeia, sim, era um povoado com hábitos selvagens.

Oito dias mais ou menos se passaram, quando na entrada da aldeia os pequenos guerreiros anunciavam a chegada de um estrangeiro. Fiquei lívida, só podia ser Augusto, corri para lá e acenei que aquele estrangeiro era meu marido, os homenzinhos deixaram então que entrasse. Foi fácil para Augusto sintonizar-se com aqueles homens. Augusto contou toda nossa história mentindo a seu regalo; mostrou a toda tribo o emblema dos Reis Katshimoshy, e eles também nos apresentaram seus costumes. E seu povo, dizendo-nos serem caçadores, Lapões era o nome de sua tribo. Vivemos ali por dois longos anos mais ou menos. Eles nos adoravam, inclusive o meu filho Yatan que veio a nascer naquela longínqua tribo. Oh! Meu Deus. O fenômeno de Calaça, o grande fenômeno, fez-me feliz depois de tantas desgraças. Partimos dali, eu, Augusto e meu filho.

Lindas peles trocamos nos mercados por agasalhos e moedas. Sofremos muito no longo e penoso tráfego até aqui. Uma noite antes de entrarmos nesta província, fui surpreendida novamente por Calaça, sonhei que ela me dizia: – Luza, chegarás amanhã na província de um Conde viúvo que te desposará com as leis da Côrte, amanhã aos primeiros raios do sol anunciarão a primavera para o começo de tua liberdade. Cante exibindo a tua graça. Adeus, minha Luza querida. Mesmo em sonho quis puxar a sua saia para impedir que fosse; qual nada, desapareceu diante dos meus olhos. Chorei descompassadamente e logo que o dia amanheceu contei a Augusto o meu triste sonho, sim, e qual não foi a minha surpresa, Augusto sorriu dizendo: – Veja só, se isto fosse verdadeiro eu não sei como agradeceria àquela víbora daquela Calaça, a livrar-me de você, seria um prêmio e eu não o mereço, por Deus. Oh, gritei, chega! Calaça não é víbora, minha querida Calaça, vítima de tua ignorante teimosia. Augusto dava gargalhadas que me davam medo. Foi então que nos demos conta da profecia de Calaça.

E depois de contar toda sua história, a bela cigana deu um salto espreguiçando seu esbelto corpo, balançou sua linda cabeça loira e disse: É tudo o que fui e que sou.

Rafael levantou-se e segurando-a pela cintura, beijou-lhe a testa. Depois chamou um criado ordenando-lhe que trouxesse o Brasão e chegando eu o vi colocar aos pés de sua esposa cigana e qual não foi a nossa surpresa; a cigana segurou aquele rico estojo e depois com os olhos rasos d’água devolveu ao Conde, seu esposo, dizendo que a uma cigana não eram permitidos luxos daquela natureza. Se ela aceitasse estava violando as tradições daquela nobreza. Colheste-me do lodo, amo-te em agradecimento, deste-me a paz e por isto não pretendo enlodar o que de puro encontro nesta nobreza, viverei como uma cigana, respeitando as normas dos Katshimoshy, do contrário Calaça não me trará as bênçãos de Deus, e disse mais: Calaça sabe tudo…

Rafael sorriu, gostando da humildade da cigana, porém eu observei muito o menino com os olhos no estojo, que bem se podia ler seus pensamentos.

Depois destes esclarecimentos parecíamos viver melhor, mesmo notando a aproximação dos ciganos nas imediações do Castelo, lembro-me também de haver tirado o menino muitas vezes do quarto, onde era guardado o Brasão.

Andaluza já estava calma e até parecia feliz. Se tudo ocorresse normalmente, dentro de três meses daria a luz a uma criança. Rafael muito feliz esperava a chegada do filho que seria seu primogênito. Porém o nosso infeliz destino já estava ligado à inditosa cigana. O tempo corria e o menino cada vez mais ficava pior, mal educado e por muitas vezes desaparecia sem que ninguém desse notícias, depois chegava contando coisas que não acreditávamos.

Certa manhã passamos um grande susto, foi encontrado um cigano no pátio do Castelo, um jovem cigano agonizante, os criados correram de um lado para outro procurando socorre-lo, quando um grito agudo nos fez virar, era Andaluza que nos dava prova de seu imortal apego aos seus antecedentes.

É verdade, a bela cigana curvou-se com carinho e procurava reanimar aquele corpo quase sem vida, enquanto, ao mesmo tempo, dizia: Oh, meu pobre irmão Nardo, Nardo, como chegastes até aqui? O que foi feito do nosso querido povo? Ao balbuciar o pobre rapaz disse: Venho falar contigo, venho de Braz… Braz o nosso Rei, pede para você dar uma chegadinha até lá, porque maus agouros pairam sobre tua cabeça, não tarde Luza. A cigana meio confusa pediu que os criados saíssem dali e quando fui retirar-me ela me deteve dizendo que eu era a sua segunda pessoa. Cuidamos do cigano fazendo com que ele logo se restabelecesse. E foi com grande surpresa e desespero que os vi contratando o momento daquela trágica fuga.

Oh! Meu Deus! Como sofri quando a cigana com os seus olhos tristes me disse: Antera querida, tenho que partir para ouvir os conselhos dos Profetas e suas santas ordens, serei amaldiçoada se não for eu mesma ao grande batismo, vede querida, não tenho a proteção dos Katshimoshy. E mostrando o grande escudo no peito do jovem cigano, repetia: Eu não tenho como não terei também a proteção de Calaça e do meu Rei.

Não, não! Tive forças para lhe dizer: Minha senhora querida, esta jóia é a superstição dos zíngaros, já não lhe fica bem usa-la; por conseguinte sei que és bastante prudente para não fazer semelhante viagem, deixando o seu apaixonado esposo; que tanto sacrificou à sociedade de seu condado. E em que posição a senhora me deixará com meu pobre patrão. Antera, disse-me ela, jamais praticarei atos que possam vir a desabonar este condado, como também não deixarei em hipótese alguma de atender ao chamado de meu Rei. Se Rafael me ama compreenderá a minha tradicional alma cigana e tu Antera, (completou) darás as desculpas que te convier.

E com a rapidez de um sonho, dirigiu-se para a estrebaria com o jovem cigano e em seguida partiram dali.

Fiquei ali parada, não sei por quanto tempo pensando como ia se portar o meu pobre patrão. Sim, foi tudo muito rápido. E qual não foi minha surpresa, pois logo que me refiz, fui dar a triste notícia ao Conde, meu patrão, e ele com um sorriso triste me disse:

– Querida Antera, esta tua notícia não me surpreende, estamos em um mundo de provações para uma evolução, devemos dar graças a Deus por Ele nos corrigir sempre que erramos, e eu sinto que fui corrigido, não respeitando as normas dos ciganos, a fiz minha esposa, e sei que naturalmente lhe foi doloroso desrespeitar as leis de sua crença cigana, pois afinal de contas foram celebradas suas bodas com Augusto, entre os encantos de suas Pitonisas e de fanáticos rituais. No entanto a pobrezinha não se rebelou e, muito ao contrário, vem nos cativando com sua Humildade e Amor.

E fazendo mais esta observação, o Conde Rafael continuou: Vede Antera! Nem mesmo o Brasão ela desejou toca-lo. Senti um calafrio percorrendo meu corpo, o Brasão.

Onde estará? Eu não o tenho visto no respectivo lugar… meu Deus! O Conde notando minha palidez disse:

Antera, o que tens? Escondes de mim alguma coisa a mais?

Não, lhe disse. É que estou cansada, devo descansar um pouco, se me permite.

Vai minha boa Antera, seria egoísmo meu segura-la agora. E dizendo mais, arrematou: Além do mais e como já disse, não mereço ser consolado se estou a pagar um delito que provoquei, talvez sem raciocinar.

Passaram-se mais ou menos quinze dias que a cigana havia partido. Tudo era tristeza, repartia bem o meu tempo disponível procurando distrair meu pobre patrão, que sem reclamar sofria sua grande dor. Todas as tentativas que fazíamos nas pegadas dos ciganos foram totalmente perdidas; ninguém dava notícias, ninguém sabia seu paradeiro. Cada dia mais tristes ficávamos, já sem esperanças.

Da sacada do Castelo onde estávamos, avistei o pequeno Yatan, que montado a galope de um fogoso cavalo vinha em nossa direção. O Conde Rafael levantou-se e juntos precipitamos, prevendo a grande desgraça que os nossos olhos presenciaram: após segundos, sem nos dar tempo de nada, o cavalo perdera o equilíbrio jogando o pequeno ao solo. Desacordado, com uma fratura na cabeça, perdendo uma quantidade incalculável de sangue.

Peguei sem perca de tempo o pequeno nos braços e pedi que providenciassem um médico. Fazia compaixão o estado de abatimento do Conde, não se retirava da cabeceira do pequeno enfermo.

Após mais ou menos três dias, o menino começou a falar chamando pela sua mamãe, às vezes com palavras desconexas, nos preocupava cada vez mais com o seu estado de saúde. E por mais que procurássemos agrada-lo, mais parecia odiar-nos.

Já bem tarde da noite deixei o quarto do enfermo para descansar, e passando no quarto da minha fugitiva patroa, escutei um gemido e qual não foi o meu pavor; fiquei petrificada alguns segundos e como cada vez mais iam aumentando, voltei correndo para junto do meu patrão, explicando o que ouvira. Alarmado com isso, disse não ter coragem de ir até lá sozinho. Mandou chamar Kazú, uma jovem servidora, dizendo que permanecesse no quarto junto ao pequeno enfermo, sem descuidar um só minuto sua vigilância.

Kazú era uma criatura temperamental que vivia a salientar-se por todos os cantos do Castelo, muito preguiçosa, porém, apesar de suas características indesejadas, não havíamos identificado o roubo.

Saindo para vermos os gemidos, qual não foi o nosso espanto. Encontramos a cigana em estado cataléptico de um lado e uma linda criança recém-nascida do outro. Não tivemos tempo a perder e esquecendo de tudo providenciamos médico e em seguida uma ama para a pequena prematura.

O dia havia amanhecido quando deixei o meu patrão recebendo algumas explicações da cigana, que com palavras firmes vivia o seu enredo.

– Querido Rafael, somos descendentes dos nômades, e sob o poder do Espírito Imortal dos Katshimoshy, juramos nas fogueiras colocar as nossas oferendas, por conseguinte, qualquer que tenha coincidentemente incorporado neste Ritual Cabalístico. Este juramento é considerado o elo de uma Corrente Salvadora, Poderosa e Imortal. Compreenda Rafael, eu sou um elo desta Corrente, jamais te farei infeliz; amo-te e não desejo viver longe deste Castelo, cumpri a minha penosa missão. Perdoa-me, por piedade. A minha pobre mãezinha desejava me ver.

Por quê não me pediu para que eu a levasse? Disse o Conde.

Ah! Continuou a cigana. Para não te deixar em dificuldades. O povo de Braz estava prestes a vir arrancar-me daqui. Não sabeis a intriga que fez Augusto, procurando com isto desculpar-se da grande desgraça da sua culpa, foi por isto que tive de correr para impedir outra armadilha do infeliz Augusto.

– Ah! Se soubesses como te amo e como me foi doloroso este meu comportamento. Encontrei a minha pobre mãe muito mal. Etelvina, a Profetisa oficial da tribo, profetizou os mais terríveis acontecimentos e tudo sobre mim.

Disse que tu meu querido Rafael, com toda tua indulgência para comigo, chegará o dia de acusar-me da mais vil calúnia e como ladra. Atirar-me-ia nas ruas exigindo que eu volte à tribo onde eu morrerei de saudades tuas. E logo após tudo isto, desatou em soluços de quem realmente está amargurada por uma louca e desabalada desilusão.

Oh! Minha querida, como pude duvidar de ti? Como se atreve esta Profetisa e que mal a fiz para ver-me tão vil, tão avarento a ponto de caluniar-te como ladra do teu próprio tesouro? Sim minha querida, és minha verdadeira herdeira de tudo quanto possuo. (Depois sorrindo para a recém-nascida) Agora será repartido com minha segunda sócia, não é mesmo querida? Não pense mais nessas tolices!

Oh! Disse a cigana, se me fosse possível esquecer que nada sinto, que os nossos Espíritos Imortais comprometeram-se no passado e, um grande débito eu terei que pagar-te antes de fugir daqui novamente, para novos mundos.

– Feito, e eu cobrar-te-ei em dobro, como tu, sinto que me deves um profundo amor e exijo ser pago! Quanto a tua partida, aconselho levar-me contigo pelas tuas concepções ou formações religiosas. Vejo que tens mais facilidades com estes transportes. Sempre gracejando, o Conde arrematou: Nunca vi tanta coragem, quando estiveres melhor, desejo que me ensines esta doce filosofia.

– Se Olga, minha usurária irmã souber de tais profecias, irá imediatamente aos pés daquela cigana profetisa.

– Oh! (gritou a cigana, chegando a assustar o Conde) Olga? Olga? Etelvina falou-me de Olga.

Sim! (respondeu ainda o Conde) Olga, minha irmã! Pois minha mãe encontrou-a à beira de um lago, era filha de um zelador da pequena mansão cujos donos morreram, uma fatalidade do seu destino, foi quando meu irmãozinho Hidelbrando foi salvo por ela naquele lago. Minha mãe a fez nossa irmã. Olga que sempre fora insatisfeita, apaixonou-se por mim a ponto de julgarmos que a morte da mamãe foi provocada por este grande desgosto. Olga fez todos sofrerem quando comprometi-me com Matusca, que morreu há dois anos, deixando-me viúvo e nem sequer um filho para que eu tivesse recordação do nosso casamento.

Dizem as pessoas supersticiosas que Olga se influenciava com feiticeiros e pitonisas para destruir a mim e Matusca. Não acredito que os feiticeiros tivessem tanta influência nos destinos ou desígnios de Deus. Vê, minha querida, se assim eu acreditasse em tamanho desafio, mandaria juntar todos os feiticeiros e pitonisas em uma tenda, fazendo o mais poderoso mecanismo e depois ordenaria aos mesmos fazer com que o coração da minha linda esposa cigana fosse puro de qualquer superstição. A respeito principalmente do Espírito Imortal. Disse ela: Vejo meu marido, que te falta compreensão dos fatos que vêm ocorrendo dia a dia, porém já me pedistes aulas de filosofia, não tardarei em dar o diploma ao meu Conde marido. Espero que não seja diploma de feiticeiro. Sim, também tenho tarimba (acrescentou, rindo os dois).

Vendo a compreensão daqueles dois, dei graças a Deus e fui dormir um pouco.

Apesar de preocupada com o pequeno Yatan, ao passar dos dias tudo percorreu na graça de Deus, até que chegou o dia da festa de São Petersburgo.

Começaram os grandes preparativos, o Imperador mandou que abrisse os portões para os estrangeiros e nômades, enfim, só se ouvia o tinir de guizos e passos de animais, nas ruas fogueiras enormes, danças e algazarras.

Para mim e meu patrão Rafael não havia alegria, ao contrário, nos sentíamos em perigo porque os ciganos com seus enormes cavalos enfeitados de fita pareciam desafiar até mesmo a própria natureza. E para o nosso maior receio, os ciganos que mais realçavam eram da tribo de Andaluza, pois em seus cavalos fogosos, mais pareciam príncipes encantados das antigas lendas.

Foi até que o nosso mau presságio confirmou-se.

Estávamos tomando chá, mais ou menos às duas horas da tarde, quando Kazú veio anunciar a chegada de duas formosas ciganas, que depois vim a saber serem Etelvina e Zaida. Etelvina a Profetisa da Tribo dos Katshimoshy, verdadeiramente simpática.

Andaluza mandou que entrassem e sem nenhum embaraço, apresentou-nos o Conde Rafael e eu. Fizemos tudo para nos tornarmos os melhores hospitaleiros. Zaida sempre abraçada a Andaluza, disse que naquela noite iria cantar para o Imperador no pátio do Grande Palácio e assim dizendo, saiu cantando e dançando com todos os encantos dos seus dezoito anos. Andaluza que não resistiu a tentação daquela dança, acompanhou-a e no amplo salão formaram a mais linda dupla.

Rafael ficou tão emocionado que franqueou o Castelo não só àquelas ciganas, como também a outros que estivessem com elas.

Tudo correu bem, até que à noite voltassem da grande festa. Só eu havia ficado tomando conta das crianças, pois entretida com a pequena herdeira não reparei que o pequeno Yatan havia desaparecido.

Chamamos a criadagem e um jovem por nome Tucem nos disse que havia visto o pequeno Yatan, em companhia de Kazú, que seduzida por um jovem zíngaro, haviam dito que só voltariam no outro dia, pois pretendiam passar a noite com o seu amor cigano.

O Conde Rafael, que estava ainda cheio de euforia da magnífica noitada com as ciganas na casa do Imperador, pouca importância deu ao desaparecimento do menino. E logo depois reunindo no salão as convidadas, pediu-me que fosse até o cofre e trouxesse o Brasão, pois desejava mostrar às ciganas a rica jóia que sua querida esposa havia rejeitado.

Oh! Meu Deus! Que horror, lembro-me como se fosse hoje, quando abri o cofre o maldito Brasão não estava.

Foi um verdadeiro alarme, os criados garantiram não ter entrado ninguém no Castelo, e todos insinuavam ser Kazú, pois a viram fugir com embrulhos grandes nos braços.

O Conde Rafael terrivelmente agitado gritava, dando ordens que trouxessem Kazú de qualquer forma ao Castelo.

A pobre Andaluza abatida, pobrezinha, levantava-se algumas vezes e falava ao seu esposo palavras de conformação. Os Cavaleiros vinham e voltavam sem qualquer notícia da servidora Kazú.

Com muito carinho, Andaluza conseguiu que o seu esposo se recolhesse aos seus aposentos. O dia já amanhecia, as três ciganas pareciam mais tristes, como se previssem a total desgraça profetizada para nós.

Etelvina, vê onde se encontra esta rica jóia, disse Zaida. Etelvina sacudiu todo seu corpo, proferiu coisas desconexas para mim, depois, depois como se passasse por um processo habitual, começou a dizer:

– Luza querida, as forças estão afastando-se de ti. Yatan, o teu filho, neste instante coloca sobre Augusto esta jóia que é o Brasão, instrumento de terríveis desgraças.

– Meu filho! Meu filhinho, de apenas cinco anos de idade?…

– Sim, continuou a Profetisa. Ele, Augusto, vem sempre ensinando o filho para este nefasto roubo. A cigana continuava suas tristes revelações enquanto nós outras gemíamos de dor. Depois com o dedo indicador apontando para mim, disse: Querida Antera, eu sou Calaça, sou o Espírito que perdeu o seu corpo pelos lobos famintos. Amo-te Antera, por ver-te tão dedicada à minha desventurada Luza, não me temas, porque dentro de pouco estarás comigo. A desventura paira sobre este Castelo, a Justiça e o Poder de Deus terá muito em breve sua força para a evolução e melhor libertar o Espírito de Luza. Luza, antiga Czarina, terá que carregar a Cruz Simbólica do Cristo, para safar-se do egoísmo, poder este do sanguinário Império Romano… Adeus… Não me queiram mal… Voltarei muito em breve. Depois como se estivesse cumprindo uma séria missão tomou então sua posição antiga.

Corri para a copa e trouxe alguma coisa quente, que não me lembro mais. Os criados haviam espalhado por toda parte a notícia do desaparecimento do Brasão.

A Condessa Olga logo que soube de tal notícia veio correndo ao Castelo. A sua visita indesejada nos fazia mal, principalmente no estado de angústia que nos encontrávamos. As duas ciganas solidárias a Andaluza, não quiseram mais saber das festas e nem tampouco afastaram-se do Castelo.

A Condessa Olga, depois dos cumprimentos habituais, chamou Rafael para um canto da sala e começou a falar:

– Oh meu querido mano… Lastimo ver-te em tão incorrigível situação, de se casar com uma nômade está certo… Enfim, é o teu impensado amor. Mas, ter em casa toda tribo… Ah!… Jamais aceitaria, isto é indigno de ti… Este povo está te hipnotizando, não é possível! E assim dizia enxugando as lágrimas, como se realmente estivesse desesperada, e eu que bem conhecia a Condessa arremessei-me para ela e disse:

– Cara Condessa, não admito por hipótese nenhuma que a senhora saia do seu Castelo para vir aqui nos perturbar, o Brasão não te pertence mais e nem tampouco ao Conde Rafael. Ele casou-se com Andaluza e neste Castelo quem manda é ela, o Brasão pertence a ela por tradição e para que ele nunca fosse parar nas tuas mãos imundas, criminosas, eu roubei e mandei levar para a Tribo dos Katshimoshy. (E como se eu conhecesse os processos de Etelvina, continuava) Criminosa, mataste a duas santas criaturas. Mataste com aquela erva daninha a pobre e indefesa Matusca, e com a mesma assassinaste também a Baronesa Yuca Santa, que te deu o Condado e te livrou da fome e da desgraça e, por último com medo do teu cúmplice mandaste surrar e expulsar da cidade, porém Deus não esconde por muito tempo as nossas perversidades. Sei onde, todo aleijado, resiste ainda o infeliz Yochim, arrependido dos seus crimes trabalha hoje pela sobrevivência. No entanto a senhora armou-se de suas forças satânicas, e veio para destruir a nossa Cigana Condessa. Não! Esta a senhora não destruirá!

Aquela criança que ali está é a herdeira do Conde Rafael, tua vítima. Aquela criança é a luz que ilumina este Castelo. Somos todos felizes, não precisamos da senhora e tampouco dos seus conselhos. E assim completei e quando dei conta de tudo, vi que todos estavam tão surpresos que não tinham pernas para saírem dos seus lugares.

– Antera, disse o Conde Rafael, Antera, como se atreve a tanto; testemunhas o que acabas de dizer?…

– Sim, meu patrão, perdoe-me… Não lhe disse há mais tempo pois quando fiquei sabendo, esta infeliz já havia matado minhas patroinhas queridas.

– Meu Deus! Não sabes que o Brazão pertence à Andaluza, como se explica terrível injustiça? Kazú está amarrada na praça de diversões para ser executada à noite, para pagar o crime que não cometeu.

Andaluza resmungou em pranto: Meu Deus, a maldição dos Espíritos ronda este Castelo!

– Etelvina, Etelvina, que farei para reparar tudo isto? Enlouquecerei se não tiveres piedade de mim… Não minha querida Andaluza, nada tens a temer… Disse o Conde procurando acalmar sua esposa. Rafael! Se souberes a verdade de tudo isto, odiar-me-ia, é tudo tão monstruoso.

– Como?… (gritou por fim Rafael sem entender) Como?… Por todos os diabos, estarás aliada com Antera, tramando infelicidades… Esqueces que tu e Antera são as únicas criaturas que amo! Oh! Minha Andaluza querida, vamos juntos perdoar o nefando erro de Antera, pelo amor do Grande Deus se isente deste roubo, não é digno de uma Condessa (até esse momento o Conde Rafael nada sabia sobre a atitude de Yatan).

Andaluza foi ao encontro de Antera e disse em soluços:

– Oh minha boa Antera, por piedade tenhas pena de mim, porque condenastes a ti mesma?

Fiz pelo meu patrãozinho, sei que se saíres deste Castelo ele morrerá e também eu. Odeio a Condessa Olga! Tudo era tão confuso que ninguém entendia nada a não ser eu e Etelvina com a sua Clarividência.

A Condessa Olga espraguejando deixou o Castelo.

Os ciganos também se foram. Agora restava-nos os três oprimidos pelo terrível acontecimento; o menino não apareceu. Agora tudo era tristeza, Kazú fora queimada como ladra, comecei então a sentir certas anormalidades, pensei queixar-me para ser vista por um médico, mas qual nada, os meus sintomas anormais tomavam-me com mais freqüência, a ponto de eu não mais poder falar. Uma espessa nebulosa tomava totalmente minha visão e em continuidade percebi uma sensação de leveza, ouvia como um sussurro palavras desconexas, como sendo: Oh! Pobre Antera, está morta! Ouvi também a voz querida do meu patrão: Morreu, minha Antera, a querida criatura que tanto me compreendia.

Até que fui levada dali pelas forças magnéticas do astral. Após submetida aos processos espirituais que não sei por quanto tempo, voltei a minha visual atual; sentia agora uma louca e inexplicável saudade da vida cotidiana da Terra.

Germano, o meu luminoso Mentor, explicava minha futura missão na Terra, porém o meu Espírito incompreendido e culpado não quis esperar pela benevolência das Leis, e com a facilidade do meu livre arbítrio, desprezei as cadeias benditas e voltei ao atraso nos carreiros terrenos.

Era uma bela madrugada quando o meu Mentor trouxe-me novamente à Terra. Antera! Disse-me: Voltarás aos labores terrenos, terás oportunidade novamente junto aos seus familiares. Cuidado com o teu Padrão Vibratório e com os teus julgamentos.

O sol começava a aparecer aos primeiros raios, quando avistei os portões do Castelo. E com tristeza foi que descobri a fraqueza de meu Espírito, reparei que não estava preparada, pois voltavam todos os instintos de vingar-me da Condessa Olga. E por mais que eu lutasse contra os maus impulsos, nada conseguia senão aumenta-los.

Germano, o meu bom guia, deixou-me à mercê de minha consciência. Estava ali o suntuoso Castelo do meu querido patrão. Tive então a mais triste surpresa: O Conde havia morrido, a cigana sua esposa estava desaparecida, e agora a Condessa Olga era a dona de tudo. Sim, até que Hildebrando chegasse de outros países, onde vivia levando sua vida boêmia, pois sendo o único irmão do Conde Rafael, seria ele o dono de tudo.

Estava eu agora naquele casarão sem nada o que fazer, apenas me acrisolando na aura da Condessa Olga… Quando já estava me preparando para deixar o Castelo, senti que as coisas estavam mudando de sintonia, voltei então e comecei a sentir a presença da cigana e me desesperei, comecei a invocar o meu Mentor, mas ele não aparecia.

Compreendi que o meu ódio pela Condessa Olga só fizera me embrutecer. Foi então que eu vi Andaluza caminhando sem destino. Chamei-a e ela ouviu, e que satisfação! Andaluza disse tristonha:

Querida Antera, não sabes a desgraça que nos causou o infeliz Brasão, tu minha boa Antera, morreu deixando-me no mais terrível desespero, sabias que Yatan meu filho havia roubado-º Morreu a infeliz Kazú e ele, Yatan, desapareceu. Foi então que desesperada corri para o meu bando a ver o que me dizia os Profetas de Braz, então Rafael sabendo disso saiu desesperado com os seus guardas e lá me encontraram. Mas, eu não quis mais voltar, a vergonha era demais; na verdade eu queria viver ao lado do meu esposo, mas, era mãe de um ladrão que podia ser sacrificado na fogueira. Oh Antera, foi horrível! Rafael saiu desesperado dali, sem me dar tempo de explicar. Depois ficamos sabendo que ele morrera, mas não foi encontrado o corpo dele.

– E tu? Perguntei. Ela baixou os olhos e depois continuou: Fiquei vivendo com os meus, temendo sempre Augusto, não dançava e não cantava. Certo dia estava à margem do rio onde Rafael foi visto pela última vez, quando um braço forte me puxou, me dando uma forte pancada na cabeça e trouxeram-me até aqui, onde estou prisioneira. Disse-me a Condessa Olga que o meu povo me considera morta segundo as minhas vestes encontradas… tudo foi tão bem feito!

– E as tuas Profetisas, por que não contam?

– Sim! Elas já disseram que eu vivo, mas não sabem onde. E eu estou ali, naquele armário.

– Oh! Gritei, compreendo, o teu corpo dorme, meu Deus! O que poderei fazer por ti? Minha querida Luza. Enquanto me lamentava ouvi uma forte pancada, era Gregória, a Governanta, que esmurrava o armário para acordar Luza a cigana, que também em um segundo desapareceu.

E quando a porta abriu-se, foi terrível, aquele corpo esbelto agora era o símbolo da dor, pálida e amedrontada.

E no auge do meu desespero, veio então Germano, que logo foi me explicar: Antera, se desejas fazer alguma coisa pela tua cigana, afasta-te dela. Estes ciganos estão em prova para a nova evolução. Vieram do Império dos Césares de Roma. E depois acrescentou: Também tu e todos os descendentes deste Castelo… Porque fugistes dos ensinamentos? Porque não te interessavas em aprender as Leis? Nada nos foi possível fazer pela sua teimosia. Agora estás destinada a passar o que der e vier; é verdade que terias de voltar e cumprir o teu carma, porém nunca assim.

Salve Deus! Que esses ensinamentos sejam promissores!

Com carinho,

A Mãe em Cristo.

Tia Neiva.

PEQUENAS HISTÓRIAS SOB OS OLHOS DA CLARIVIDENTE NEIVA

10 – A Volta dos Ciganos

Templos do Amanhecer

CASTELO DOS DEVAS – VALE DO AMANHECER

 

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