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As Vidas do Lenhador

14 - As Vidas do Lenhador-pSalve Deus!

Meus filhos:

Este é um exemplo vivo do que tanto precisam e que me serviu – e vem servindo – a vida inteira. Condicionados, nós nos esquecemos do nosso relacionamento eterno com Deus…

Sim, porque ao homem condicionado muito pouco podemos fazer na Doutrina. É tão grande a sua indiferença às coisas deste Universo, que então todo o Sistema Espiritual, principalmente se ele desfrutar de saúde e cultura, vive e sofre para contestar o Espírito da Verdade. Ele enche seu ambiente com seus maus pensamentos, tornando mais triste este mundo.

Esta espécie de homem vamos encontrar no LENHADOR. Junto a ele encontraremos os que se julgam em liberdade. Veremos também, que os mesmos não passam de cativos da ignorância e da desventura: são os ENCOURAÇADOS dos poderes da Terra. E assim, vamos prosseguir nossa história.

O dia começava a raiar na Terra, quando me encontrei na Mansão dos Encouraçados. Vi gente que entrava e saía, como se fosse uma rodoviária. Nisso, passou alguém que me chamou a atenção: o LENHADOR – um homem de aspecto cansado. Ouvi quando Amanto disse bem alto:

– Este homem tem um lindo exemplo a contar. Sua história alcança muitos séculos.

Ouvindo como eu a narração de Amanto, ele se virou e batendo a mão em meu ombro foi me arrastando dali.

Meio surpresa o acompanhei, e ele começou sua narrativa:

Veja minha irmã, o perigo das manias entusiastas: elas são contagiosas e ninguém se inclina impunemente à beira do abismo da demência. Aqui está uma coisa horrível que vou contar.

Então, meio desconfigurado começou a levantar a pedra de seu sepulcro, dizendo:

Antes vamos agradecer a Deus, a força e a maneira como aceitamos os desígnios de nossa evolução na lei imutável do carma. Sim, a Lei de Deus nos faculta que tenhamos cultura nos recursos de nossa inteligência, mas esperando, fica a nos proteger em nossas dificuldades, pelo atraso de saber e não fazer. Como é fácil de anotar na Individualidade, o que criamos na Terra pela ânsia de fazer sem saber. Às vezes, adiantamos tanto uma Doutrina e não sabemos expressar o nosso Amor.

Minha querida Tia Neiva, tudo começou assim: eu estava na Terra e em uma linda manhã de sol, saí para o campo para ali receber os seus raios, pois precisava me aquecer. Porém, a Natureza mais uma vez me pregou uma peça. O tempo mudou e em vez do sol veio um terrível temporal que me obrigou a sair correndo de volta para casa.

Oh, meu Deus! Como sofro ao lembrar, mesmo agora, depois de longos quatro séculos. As árvores dobravam suas copas até o chão. Mal cheguei ao portão, ouvi alguém que gemia pedindo para entrar. Era uma jovem que mal enxergando a luz com seus negros olhos, queria também atravessar o portão. Ouvi ao longe os gritos da Condessa, minha esposa, e num gesto de cuidados não deixei entrar aquela jovem, porque sabia que não seria compreendido por Nice, minha querida esposa. Também não disse a ela nada sobre a jovem.

O temporal prosseguiu como um furacão, causando destruições naquelas imediações.

No outro dia sucedeu o que sempre sucede aos covardes e egoístas: os criados aflitos contavam o desespero de um triste pai que encontrara morta a sua filha nas imediações do meu Castelo. A jovem havia morrido de frio e medo…

Era uma família de Fidalgos que morava ali perto da minha Província. É difícil descrever a dor que senti diante de um quadro tão culposo para mim. Não tinha coragem de contar a ninguém a minha imensa covardia.

Dois anos depois, Nice me deu uma linda filha, que ia crescendo e me fazia lembrar ainda mais aquele olhar suplicante da pequena Fidalga.

Tudo se passou, chegando eu a fazer um bom relacionamento com os Fidalgos. Por fim, Nice morreu quando ia dar à luz uma outra linda menina.

Passei meus dias sozinho naquele imenso Castelo, procurando me intelectualizar ao máximo, já que nada tinha para fazer. Os criados tinham uma espécie de compaixão por me verem tão só. Porém, um certo dia estava a me martirizar de dores, quando ouvi a porta do quarto ranger como se fosse abrir e, me apareceu a figurinha de Nice, que em um relance me disse:

– Venha… Venha… Chegou o seu tempo!

Assustado quis segurá-la, mas ela já desaparecia. Gritei por seu nome tão alto que os criados vieram ao meu encontro. Eu estava ardendo de febre. Vi os criados a correrem, porém não sentia interesse em perguntar nada. Fui ficando leve e desaparecendo daquele local, sentindo que uma corrente muito forte tomava conta de mim. Sem visão, absolutamente sem nada e… sem esperanças.

Minha Tia Neiva, só Deus sabe as dificuldades que o sentido emocional provoca em nossa alma.

Sim, porque a matéria sem sintonia com a alma fica em desajuste, fica dispersa e passa a ser uma ENERGIA ESPARSA, sem contato do Etérico.

– Um homem, simples homem. É a hora de minha morte!…

Ouvia o movimento dos criados, do médico e, por fim, passei a sentir como se levitasse num crepúsculo, em um balé de luzes que acendiam e apagavam. Vi meu pai e minha mãe se despedindo de mim e já em minhas agonias pensava:

– Como? Se eles já morreram e eu estou também morrendo?

Oh, meus paizinhos queridos! Logo estaremos juntos! Nisso chegou minha Nice e me foi levando pela mão. Senti uma dor atroz no coração. Então ouvia a voz de Bruno, meu mordomo:

– Pobre Conde! Fez sua passagem. Como sofreu o meu querido patrão.

Ouvi também o choro dos criados.

Oh, fenômeno! Oh, meu Deus! Sentia que toda a matéria até então organizada, começava a representar uma modalidade de energia esparsa, que ia me definindo em outra situação, em outra condição de homem. Porém a mente era lúcida, cada vez mais lúcida. Minha cabeça rodava, rodava e, finalmente entrei num novo estágio: formou-se outra atmosfera. Um terrível zumbido, como se meus ouvidos fossem arrebentar e a transformação incompatível se fez em uma dor, também incomparável, porém muito rápida. Foi então que me senti do outro lado da vida.

– Dor? – Perguntei – Por quê dor? Se eu estava morto, se já havia feito a passagem…

Sim Tia Neiva, é o que me pareceu. Porém, o deslocamento do PLEXO FÍSICO, o impacto da energia compactada à corrente etero-magnética é uma dor física tão grande que não tem qualificativos. Inclusive, fica no nosso subconsciente a ponto de muitas vezes, por maior que seja o desespero, temos medo de morrer. É a razão deste tamanho medo da morte.

Dali parti para um novo e desconhecido mundo. Só – mais uma vez, só…

Ouvia agora vozes no meu novo mundo, como se fossem me instruir para mais outra experiência.

– Seja o que Deus quiser – pensava sempre comigo e assim fui me libertando dos meus defeitos.

No terceiro dia levantei a vista, e vi ao longe um lindo Castelo. Então parti para lá como se fosse a minha única salvação. E qual não foi minha dor!… Ao chegar ao portão ouvi os gritos de Nice dizendo:

– Venha! Venha meu amor! Venha me salvar…

Comecei e andar no interior do Castelo enquanto seus gritos iam se distanciando. Oh, meu Deus! Já estava cansado quando ouvi uma voz que me alertou:

– Conde Lepant! Estás a seguir tua própria consciência. Nice já passou por aqui faz dez anos.

– Oh! – Gritei – Onde estou?

– Estás sob o jugo de sua consciência, já disse.

– Consciência? Não me lembro de nada. Diga-me onde estou.

– Em Pedra Branca, no exílio dos mortos da Terra. Daqui partirás. Partirás para uma nova vida. Os teus pensamentos o levarão a mundos que a tua percepção ainda não atingiu. Procura estar atento ao Comando Universal, porque estás completando o teu Retiro e dentro de algumas horas partirás para a Terra.

– Como? Eu venho de lá e não deixei ninguém a me esperar…

– Sim. Deixastes os teus criados e terás portanto de voltar à Terra.

Não sei por quanto tempo ouvi a mesma voz. A cada hora me sentia mais lúcido. O fato é que não sei porque tinha saudades de uma certa harmonia que penetrava em meu nariz, em minha boca e nos meus poros.

Sim, não sei mais por quanto tempo. Lembro-me somente de ter ouvido, como se fosse uma melodia o Guia Universal dizer:

– Passageiros da Terra: fiquem alertas para voltar. Já completaram o seu Retiro.

Comecei a ter medo do que até então não tivera. Para onde iria? Enquanto pensava fui atraído por um impulso vindo a descortinar uma grande rodoviária, onde pessoas teleguiadas tomavam os seus rumos. Eu também segui o meu sem qualquer percepção do meu destino. E qual não foi minha surpresa: Uma compreensão muito grande e, em fração de segundos estava em frente ao meu Castelo. Quem sabe o que estava acontecendo? Meu Deus! Entrei como se estivesse VIVO, porém sem sentir as anormalidades do corpo. Agora era tudo diferente. Leve… leve… como se estivesse em um corpo de pluma.

O Castelo cheio de parentes, meu procurador e demais pessoas. Como é horrível Tia Neiva, ver pessoas estranhas violarem os nossos objetos. É realmente terrível.

Tentei sentar-me à minha mesa. Porém um grupo que saiu do corredor tomou toda a mesa. Nisso o meu procurador começou a ler o testamento que eu havia deixado.

Deixara uma grande parte para Janete, a Governanta, e para Bruno, meu Mordomo, meus criados queridos.

Quando foi lido o nome de Janete, ouvi seu choro convulsivo e corri para atendê-la. Meu gesto a comoveu e eu – pobre de mim – debrucei sobre o seu corpo e ouvia o meu som a dizer o que bem precisava…

Nisto, ouvi a voz que dizia:

– Chega Lepant! Sua hora está chegada. Vamos. Temos muito o que fazer. Uma nova vida!

Era Germano, o meu Guia Espiritual.

Saí dali sem saber como terminara o meu inventário e também não me preocupei.

Uma linda Chalana me esperava e saí sem pensar em nada. Se alguém perguntou o meu nome? Não saberia dizer.

Nuvens espessas cobriam o aparelho. Então, um novo mundo se descortinou em mim: RESSURREIÇÃO. Ressurreição! Gritei diante daquele quadro que se apresentava em frente aos meus olhos.

Oh, Deus Todo Poderoso! Saí de um mundo e entrei em outro. De repente, comecei a raciocinar: Como seria minha vida? Nice, minha Nice, onde deverá estar neste momento neste Universo tão imenso? Comecei a ter medo. Medo do que eu não conhecia… Sim, não sei porque, mas aquela beleza me dava medo.

Oh, que saudades de minha Nice!

Por fim, o aparelho parou diante de um enorme hospital, onde havia um letreiro: CASA TRANSITÓRIA DE FABIANO.

Oh, meu Deus! Desembarquei sem ninguém mandar. Porém, no interior do hospital, encontrei um amigo: Lafaiete.

– Oh, Lepant. Como vai?

Porque estava ali, não sei.

– Você me dá notícias de Nice, minha esposa?

– Ela passou por aqui, há dez anos. Não tenho nenhum roteiro.

Nisto alguém chamou:

– Lepant! Venha para esta sala que a tua família espera.

Oh, meu Deus! Cheguei e encontrei uma enorme tela que me assustou. Sentamos – Eram muitos – e começou a grande prova para mim. Eu que até então pensava ter entrado no esquecimento… Germano puxou uma alavanca, e tudo começou: eram 10 horas da manhã na Mansão dos Lepant, quando um lindo casal deixava os portões do Castelo e as flores se misturavam com as cores do rosado vestido da Condesinha, minha Nice e seu irmão Roberto, um terrível jogador que acabara com a fortuna do Conde meu sogro. Em resumo: Nice por amor a seu irmão roubava dinheiro do meu cofre, ou melhor, do nosso cofre, e pagava as contas de seu irmão, inclusive com sorrisos e insinuações ao lado do terrível cobrador.

Comecei a me lembrar de sua rápida enfermidade, dos desencontros e de nossos reajustes. Comecei a ver seu romantismo, o mundo de onde eu viera.

Oh, meu Deus! – Pensava. Como? No entanto, eu deixara morrer a pobrezinha de frio e medo, para não melindrá-la. Distraído em minha dor comecei a ouvir a voz do meu Mentor amigo:

– Chega por hoje. Veja como sofrem os que passam na Terra sem nada fazer. Nunca fostes saber o que acontecia em seus arredores. Bruno e Janete foram seus legítimos pais. Pediram a Deus esta oportunidade de serem seus criados, para resgatar uma velha dívida que contraíram outrora com você.

– Oh, meu Deus! Como fui tolo! – disse eu na força da expressão, lembrando do olhar carinhoso de Janete e de Bruno.

Após breve silêncio, Germano continuou:

– Salve Deus! Agora vamos ouvir o Rosário de Salmos, que é o Canto da Energia Imortal. Venha ver quem realmente se venera neste recanto de Amor e Paz. Fizeste na Terra aquele rico Castelo, sem suor do teu rosto e sim pelo ouro pesado. Aqui é o Jardim que os anos e o tempo não destroem. Fecha os teus olhos e verifique que ainda está diante de ti mesmo, do teu jugo. Agora deixe teu fardo nas mãos de quem poderá sustentá-lo.

Nisso, uma jovem mulher apareceu, parecidíssima com minha Nice. Senti amá-la, porém algo me dizia – aquele Espírito tinha o todo de Nice – enquanto pensava sem rancor, fora traído pela minha pobre consciência.

– Deixa o teu fardo, Lepant! Já lhe disse…

Oh, meu Deus! Onde estaria eu àquelas horas? A minha pequena cabeça não saía do ciclo vicioso, sempre com os mesmos pensamentos – Nice me traíra – e eu? Estou na Terra, no espaço ou em que plano? Deveria estar…

De repente, um forte abalo me fez alertar. Senti medo da solidão e gritei:

– Oh, meu Deus!

Germano me perguntou com carinho:

– O que houve? Lepant, para estar perto de Deus só nos basta pensar nas boas obras. Os nossos pensamentos são as nossas asas.

– Por quê este estrondo?

– O silêncio é perigoso quando temos muitas falhas no subconsciente. Aqui também trabalhamos… O que você não soube fazer com sua riqueza na Terra.

– Sim – gritei – o trabalho. Não sei fazer nada!

– Saberás, quando tua alma também souber se entrelaçar a outras almas.

Nisso, um grito nos tirou do recinto onde estávamos: uma mulher pedia por socorro. Instintivamente corri para lá. Oh, meu Deus! Fui em socorro de alguém pela primeira vez em minha vida. – Lepant, somente naquela encarnação fostes tão indiferente. Começa em ti a grande luta. Seja verdadeiro contigo mesmo. A sinceridade, quando real, persiste e vence.

Todos estes movimentos vêm da natureza universal inferior. Dar expressão a um impulso ou movimento não é o suficiente para uma afirmação religiosa ou doutrinária no caminho da Evolução. Deixe que a iluminação te brilhe a alma. O intercâmbio vital não lhe serve mais. Procura! Não fiques a chorar pelo que não fizeste e sim procure entoar teu Canto Universal.

– Oh, meu Deus. Tudo é delicioso!…

Como pode, Tia! Aquele lindo Missionário e eu, um pobre Sofredor, tão bem coordenados. A cada dia eu mais me entregava ao trabalho, em missão junto àqueles chegantes, e minha mente ia se desenvolvendo.

Tia Neiva, esta história é realmente interessante, digna de ser ouvida. Sim, Tia. Ainda não terminei. A parte mais interessante vem agora.

Salve Deus! Desde que eu estivera ali, jamais sentira o que neste dia – ou tempo, como marcamos no espaço – sentira. Diferente de tudo o que até então sentira. Fiquei à espreita de meu querido Mentor Germano e fui prevenindo minha alma.

– Vamos partir – disse – Vamos, porque não tens mais com que pagar a tua estada.

Oh, meu Deus! Lembrei-me de que estava fraco e minha perturbação tinha razão de ser. Minha alma discorreu e balancei a cabeça. Pensei como devem sofrer aqueles que na Terra não têm dinheiro para se alimentar.

Oh! Fui prevenido por minha alma… Salve Deus!

– Sim – disse Germano – este é o Todo Poderoso…

Saímos dali caminhando, caminhando como se estivéssemos na Terra. Caminhamos, caminhamos até cruzarmos com um homem. Germano perguntou-lhe:

– Conheces bem estas imediações?

– Não, estou foragido – disse ele, apressando-se a distanciar-se de nós.

Então, Germano comentou que ele vivia há muito tempo naquelas redondezas. Senti um pouco de fraqueza e dor em meu coração. E aqueles pobrezinhos que viviam nas imediações de meu Castelo? Oh, meu Deus. Deixei que morressem de fome e, no entanto tudo me sobrava. Tentei, mais uma vez, afastar o meu remorso, a minha imensa covardia. Germano me advertiu:

– Prossegue. Vamos, prossegue. Não tentes cair no mesmo padrão vibratório. Aos poucos tu vais pagando o que deves.

Continuamos nossa busca até chegarmos em frente a um enorme Albergue. Lá, encontramos uma mulher, cujas jóias a ornavam da cabeça aos pés. Olhei o meu traje e Germano observava-me com um leve sorriso nos lábios. A que poderia atribuir o comportamento daquela senhora? Louca, simplesmente louca. Atônito, disse:

– Não trabalha. E como ela vive? Se não me tivessem tirado da Mansão de Fabiano, eu estaria sofrendo terrível perturbação por falta de BÔNUS para o meu alimento. E ela, como os ganha?

– Foi ela quem trouxe tudo da Terra.

– Como, Germano? Trouxe da Terra? Explica-me melhor.

– Sim, te direi.

Porém, antes que Germano dissesse alguma coisa, apareceram dezenas de escravas, tentando servi-la. Vinham muitas, porém ela gritou:

– Esperem. Um pouco de cada vez.

– Viu? Elas a obedecem…

Foi então que surgiu um casal muito lindo e começou a ser feita uma Doutrina. Não sei por quanto tempo demorou aquela solenidade. O fato é que todos ali tomaram um novo rumo sob as Bênçãos de Deus.

– Viste, Lepant? Não podemos julgar os outros pelas aparências.

Desta vez, mais do que nunca, os acontecimentos me deixaram confuso. Sentindo fome, muita fome, olhei para cima e vi algo que me deslumbrou: uma nave muito grande se deslocava no espaço. Para onde iria?

– Lepant, tenhas cuidado. Uma coisa de cada vez. Por quê não procuras saber o destino dos escravos?

– Oh, Jesus! Como sou distraído. Desculpa-me, irmão.

– Sim, Lepant. Enquanto estávamos em harmonia não pudemos expandir a nossa força. Ouça:

Lá no final do Albergue tocavam uma sineta.

– Vamos, para termos um bom lugar.

Sim, sempre pensando: Onde irei, o quê me espera?

A senhora das jóias não participava. Permaneceu em seu lugar. Linda mulher. Agora eu podia ver muito bem o que se passava. Ia perguntar, quando duas Chalanas se encontraram e um enorme estrondo nos tirou da sintonia, nos removendo para outro Plano.

Comecei a raciocinar bem melhor e a me preocupar com as coisas que vira e ouvira. Por exemplo: aquela mulher, a sua beleza, suas maneiras. Como a encontrara… tudo tão estranho.

– Para onde vamos? – Perguntei.

– Vamos voltar para o Albergue.

– Estamos em outra estrada?

– Sim, estamos.

– Por quê?

– Vamos para outro Albergue.

Desta vez, enquanto caminhávamos, pensava como era perfeito este Universo. Chegamos a um rico Albergue, onde uma grande família ria de seus desencontros na Terra. Sem ser notado fiquei ouvindo. Tive inveja de um certo comentário de uma linda jovem que estava ali e havia sido esposa de um cego, cujo destino o levara à mendicância. Logo entrou o ex-cego e ambos se beijaram abraçados. Meu Deus, tanta simplicidade.

Nisto, entrou a linda mulher das jóias, com muita familiaridade.

– Oh, querida Sabá! Entre e cante para nós.

A jovem cantou e dançou lindas canções. Senti como se todo o Universo a estivesse ouvindo. Depois, ela levou a mão ao peito e suspirou dizendo:

– Oh, meu Deus! Porquê me faltou Amor no momento mais precioso de toda a minha vida?

Dizendo estas palavras soluçou. Fiquei vibrando para saber mais alguma coisa sobre aquela linda mulher, mas, logo entrou um estranho nos botando para fora do Albergue.

Nisto, reconheci um Abade que passou e, num relance, compreendi que todos que ali estavam saíram à procura dele.

Então fiquei só com Germano e a linda mulher que estava sentada em uma pequena e triste pracinha. Cheguei-me para junto dela, sentei-me e comecei a perguntar sobre sua procedência. Ela começou a me contar sua história dizendo:

– Vivia numa pequena cidade no interior da Índia. Meu pai e minha mãe eram pescadores de pérolas, e formaram um grande patrimônio. Tão grande que me fizeram Rainha. Tornei-me poderosa, mas cedo meus pais morreram. Então fiquei endurecida. Não amava ninguém, dificilmente sorria. Até que um dia encontrei o olhar do jovem Janara, filho de meu escravo. Ah, meu amigo, quanta paixão. Nunca me perdoarei por ter desperdiçado a minha oportunidade. Lembro-me agora com saudades. Tenho ânsias. Que horror! Foi triste, realmente. Só me resta contudo recuperar o tempo perdido nestas condições deprimentes. Encho-me de jóias preciosas e fico à mercê dos que me julgam.

Enquanto Sabá falava ocorreu-me um pensamento: tão linda que eu não posso acreditar em sua piedade; não acredito também que alguém possa desposá-la. Porém, como estávamos no mesmo nível de evolução, ela não sabia o que eu pensava e nem eu, tampouco, sabia o que ela pensava.

Ela sorriu mostrando a sua beleza, e eu ainda fiquei pensando mil coisas quando um forte estrondo nos fez tremer.

– Oh, meu Deus! – gritei – Não me acostumo. Não me acostumarei nunca com esses estrondos…

Ela deu uma gargalhada como se fosse um Canto e despedindo-se me disse:

– Hoje me libertarei daqui. Deus, o bom Deus te libertará também um dia.

Foi se levantando como um lindo pássaro naquele crepúsculo, que é como nos parecia aquele Plano de nossa evolução.

Só! Novamente só, continuei sentado naquela pracinha, não sei por quanto tempo. De vez em quando aparecia alguém que se sentava, contava suas dores, suas paixões e prosseguia. Porém eu era além de medroso, um grande preguiçoso. Foi preciso que um forte estrondo me atirasse em outro lugar – um bonito Albergue. Compreendi que os estrondos nos tiravam a sintonia e nos levavam a uma situação primária. Sim, primária…

Na minha força de expressão, o fato é que a nossa mente entra em choque e um processo de nosso próprio mecanismo expulsa as ficções, nos dando outras oportunidades de novos raciocínios. Sempre a mesma coisa: alguém se lastimando do que deixou de fazer.

Estava observando os movimentos de alguns Centuriões que se movimentavam na escuridão, e tive inveja. Perguntei:

– O que poderia fazer para ingressar nessa comitiva algum dia?

– Voltar à Terra – disse alguém.

– Voltar à Terra? – Admirei, sentindo nova esperança. Poderia tirar a imagem que tanto me torturava.

Não podia ficar ali parado. Resolvi caminhar, porém sempre com medo de me afastar muito. À medida que caminhava a iluminação ia se ofuscando, como se tivesse chegado à hora do crepúsculo. Comecei a ouvir sons – risadas, gente alegre que estava em missão. Não preciso explicar que me familiarizei com toda aquela gente. Não sei por quanto tempo vivi ali meio despercebido do resto do grupo.

Um certo senhor de voz calma, se levantando em um degrau mais alto daquele luxuoso pavilhão onde estávamos, disse em voz de quem vai discursar:

– Meus caros contemporâneos, chegou o nosso grande momento. Voltaremos para a Terra na grande missão que nos foi dada. Iremos remover séculos. Partiremos para uma nova conquista e mais uma vez, iremos libertar aqueles Espíritos e remover novamente neste primitivo roteiro – e apontando com uma espécie de lápis mostrava na grande tela a Terra em seus diversos ângulos. De repente, surgiu na tela uma embarcação sobre o oceano tempestuoso, parecendo uma pequena folha prestes a sucumbir nas águas.

Em seu discurso ele dizia o nome dos personagens que futuramente estariam em sua direção. Dizia, também, que iriam reencarnar em Portugal.

– Salve, salve Lamúrcio. Salve, salve Lamúrcio. – Aclamava o grupo.

Veio em minha mente a pergunta: de onde teria vindo esse grupo, estes personagens tão unidos? Eu sei que viera da França. Como se tivesse ouvido minha pergunta, o orador continuou seu discurso:

– Oh, meu Deus! Parece que foi hoje quando descemos as cordilheiras e chegamos às Planícies Macedônicas, descobrindo Esparta. Foi horrível! Fomos massacrados pelos Dórios. Oh, como foi dura aquela Península Peloponense. Os Gregos nutriam verdadeiro ódio provocado pelos Dórios, a ponto de impregnar aquele ódio em toda a Península, ou melhor, em toda aquela gente. Os Gregos e os Egípcios acreditavam na vida além física, os segredos da morte; nas revelações sucessivas e nas comunicações com os Mundos. Esse ensino provocava uma grande evolução da alma, provocava impressões tão profundas infundindo uma paz, uma serenidade e uma força moral incomparável. Em resumo, a DOUTRINA SECRETA, Mãe das Religiões, na maneira de cada Tribo, foi infundida a ponto de nunca morrer.

– Porquê nunca morreu? – Perguntou alguém.

– É impossível que morra a Doutrina Mãe, como a chamamos na Terra. Ela é uma revelação, é algo biológico do predestinado, de sua missão, que age segundo sabemos pela indução recíproca; altamente moderada sobre o centro principal do seu eixo. Quando as células inferiores entram em excitação por excesso de estimulações na linha do interoceptível, que ameaçando o sensitivo do homem, se esgota pela seqüência moderadora ou regência moderada, impondo o freio e o controle dinâmico-sensorial, exigindo sua ação. São as células coronárias que decidem os três reinos. São estas células que governam o cérebro, ou pineal, ou células inferiores. Entram em período de estafa ou decomposição do sistema dualista nervoso, ou de outra parte do núcleo vegetativo, os quais dão origem às fibras. Não há como superar funcionalmente os dois setores nervosos, porque ambos são vinculados ao cérebro, sujeitos às suas flutuações. São rigidamente controlados pelo sistema da flutuante alma, que estabelece um equilíbrio cerebral, pela indução recíproca dos três reinos de sua natureza. Esta atividade desordenada na concepção do sistema nervoso, é desvantajosa ao homem na Terra. Meus irmãos que pensam voltar à Terra. O homem físico sofre seriamente pela sua falta de Amor. As suas propriedades são imensas, porém sempre de acordo com o seu padrão vibratório.

– Oh, meu Deus! – Pensei – Quanta coisa além do infinito. Meu Deus, sou um estrangeiro que jamais voltará à sua pátria, ao seu primeiro estágio.

– Desculpe, Lepant – Disse alguém – O teu suspiro vem de longe. Pensa e tenha esperanças. Não ouves uma só palavra, não vês bem o meu rosto, a minha face. Passou a hora dos sonhos. Este é um mundo em que não se oculta nada. Ainda és um hóspede silencioso.

– Passaram as horas do sonho – Oh! – Gritei, como se fosse um gemido – Estou preso pelas garras do meu Castelo, sinto-me amarrado a seus portões. Não vejo à minha frente a luz da manhã. Não posso expulsar de meus pensamentos meu horrendo crime – ele vem a vaguear à vontade.

– Venha, meu hóspede silencioso – disse a voz – Eu me chamo Lamúrcio e já estou com a missão em Deus de voltar à Terra. Olhe, Lepant, a alma do mundo é uma força que tende sempre ao equilíbrio. É preciso que a vontade triunfe sobre ela ou ela triunfa sobre a vontade. Toda vida incompleta é atormentadora. É preciso conhecer nesta visão, o homem acordado deste plano asfixiado pelas emanações da Terra. Saia deste falso sonambulismo que o seu inconseqüente estado de espírito provocou. O seu único reflexo vivo é a ciência do mundo invisível, e continua a ser um dos mais importantes ensinamentos reservados.

Sim, porém, a ciência invisível entre os homens, e as almas desencarnadas pelas propriedades desses fluídos, pela ação que a vontade exerce sobre eles, onde explicamos os fenômenos da sugestão da transmissão de pensamentos, segundo o passado e o passado no futuro. É preciso saber que a vontade do homem modifica também o seu comportamento, a sua razão nos seus amores, nos seus impulsos e nos seus desejos. Aqui tens uma natureza e na Terra tivestes outra, bem mais ardente, a que te fez chorar hoje e poderá te fazer rir amanhã. A própria natureza do homem ensina por indução que existe ordem. O Ser é substância e vida. A vida se manifesta pelo movimento e o movimento se perpetua pelo equilíbrio. Assim, o equilíbrio é pois a Lei Imortal. A consciência é o sentimento e a justiça. Chega, Lepant. Já te condenastes e não fizestes nada.

– Salve Deus! – Gritei – Quero fazer alguma coisa. Eu quero fazer alguma coisa.

– Sim – Disse o nosso Comandante – Breve teremos uma oportunidade para reencarnarmos.

– Eu quero essa oportunidade – gritei eufórico.

 – Sim – Disse alguém – Espero que Deus te conceda essa oportunidade.

Como sempre um grande estrondo nos tirou da sintonia e, de repente, estávamos em outro local. Lembrei-me de Germano – Nossos pensamentos são como as nossas asas – E ali estava ele parecendo estar à minha espera e me falou:

– Como? Então já pensas em partir para a Terra?

– Sim, penso. E mais: Vou com um grupo que, segundo me informaram, parte para uma grande conquista.

– É um compromisso muito grande. Recebeste alguma coisa?

– Não. Estou com muita fome. Onde vamos?

– Para o Albergue de Nana. Lá você não sentirá mais fome.

– Por quê?

– Porque lá existe trabalho.

– Sim, porém na Terra eu comia e não trabalhava.

– Lepant! Esta missão é perigosa. Hoje a sua mente está muito pesada. Porém tão logo se acerte, tudo estará bem. Vais ter prazer em viver aqui, fazendo a caridade. Saibas que as imperfeições da vida não se corrigem através da meditação, porque a alma não entra em atividade normal, aqui neste Terceiro Plano onde nos encontramos. Salve Deus! Vamos continuar nossa jornada.

De repente chegamos a um lindo Albergue. Bateram palmas com nossa chegada. Foi emocionante. Muitas pessoas comentavam assuntos diversos e eu sem sentir comecei a participar, como se estivesse há muito tempo naquele ambiente. As horas alegres e as horas tristes terminavam de uma maneira que me deixava realizado.

Voltei para o Albergue de Matozinho, onde já estava bem familiarizado. Estava sentado em uma pracinha, quando ouvi terrível algazarra e em seguida um estrondo. Só restou Germano que veio falar comigo.

– Oh, Lepant! Vim despedir-me de ti.

– Para onde vais? – Perguntei.

– Vou para a Terra.

– Para a Terra? Como? – Perguntei – Como?

– Desde que a Terra libertou o Homem Pássaro, nunca mais evoluiu. O Homem Pássaro veio logo depois dos Equitumãs. Eles vieram na força da era. Dizem que se transportavam de um lado para outro e foram esses homens que se afastaram de Deus, deixando a vibração da Terra na pior sintonia. Ah! Se não fossem aqueles homens a Terra estaria melhor…

– Não estou entendendo muito bem esta sua narração. Por acaso não estás com algum cobrador a te vibrar? Sim, se vais para a Terra…

– Não, Lepant, não. Vou para a Terra, já te disse. Porém, as vibrações não estão me atingindo. Estou falando dos Homens Pássaros porque eu fui um deles – e tu também. Porquê fostes tão egoísta quando estivestes por lá?

– Eu? Não me lembro de nada, de nada mesmo.

– Vamos para a Terra. Aproveita, pois os tempos vão chegar em que as oportunidades irão ficar muito escassas.

– Não tenho coragem, enquanto não me esquecer da jovem Inara.

– Só esquecemos quando pagamos nossos débitos.

– Oh, meu Deus. Sou realmente um preguiçoso. Fico de um lado para outro sem me preocupar. Depois como irei escapar? – Pensei.

Com esses pensamentos, nos despedimos.

Era 30 de outubro e eu me levantei com mil pensamentos, quando ouvi os aplausos de todo o povo reunido, alegre, sem saber o que me vinha na alma.

Meio atônita, meio desequilibrada, me mantive sem demonstrar o que sabia do futuro daquela gente.

Salve Deus!

Com carinho,

A Mãe em Cristo.

Tia Neiva.

PEQUENAS HISTÓRIAS SOB OS OLHOS DA CLARIVIDENTE NEIVA

14 – As Vidas do Lenhador

Templos do Amanhecer

CASTELO DOS DEVAS – VALE DO AMANHECER

 

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Um pensamento em “As Vidas do Lenhador”

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